sábado, 30 de junho de 2012

Os conteúdos de história no ensino brasileiro


                
                 A história foi instituída como disciplina no Brasil em meados do século XIX, com conteúdos que relevavam a questão da história da civilização europeia, mas precisamente da civilização ocidental. Isso indicava que cada fato histórico era único e sem possibilidade de repetição, a história deveria ser reconstituída de forma objetiva para ser considerada como verdadeira. Esta forma de entender o conhecimento histórico foi, durante muito tempo, considerada como única maneira de pensar e fazer a história, que deveria ser objetiva, racional e produzida a partir de documentos oficiais. Na teoria da história essa produção era metódica e positivista.

Neste período ocorre a constituição dos estados nacionais, e a história ganha seus objetivos mais duradouros, ou seja, serve de instrumento para a consolidação dos espaços e dos feitos dos heróis através das atitudes dos estados representados por seus comandantes. Nos conteúdos escolares observa-se a introdução de “História do Brasil” nos currículos das escolas primárias e secundárias. A definição desses conteúdos escolares coube a um grupo de professores do Colégio D. Pedro II[1] e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)[2], que a partir de estudos realizados definiram quais conteúdos sobre a história do Brasil seriam trabalhados na escola. Tais conteúdos privilegiaram à história da pátria e a constituição do povo brasileiro.

É a partir da constituição deste que se consolida em livros didáticos a História Nacional que tem como modelo alguns fatos que acabariam por se transformar em referência. Tais fatos constituíam um conjunto de acontecimentos sobre a história do país que deveriam ser divulgados e ensinados. O descobrimento do Brasil e a independência do Brasil, entre outros fatos, eram vistos como marcos fundadores da nossa história, contada a partir de 1500, quando os colonizadores aportam na costa atlântica.
Tais conceitos e referências cronológicas acompanham o ensino de história por vários anos. A história da pátria sempre esteve presente no processo de consolidação do ensino de história nos currículos. Diante da 'necessidade' de referendar a constituição de uma nação, a história do Brasil institucionalizou-se enquanto conteúdo escolar, relacionada estritamente a questões políticas. Seguindo esse preceito, os livros didáticos selecionaram os conteúdos tendo como referencial a história política do país e da Europa. Assim, durante quase todo século XX os conteúdos relacionados a história política foram predominantes no ensino  de história.
No Brasil, após a segunda metade do século XX, uma importante mudança historiográfica produziu uma interferência na seleção de conteúdos didáticos, a história marxista. A análise marxista parte das estruturas presentes com finalidade de orientar a práxis social e tais estruturas conduzem à percepção de fatores formados no passado cujo conhecimento é útil para atuação da realidade. Essa teoria modifica a forma de tratar os conteúdos, pois, introduz no ensino de história o objetivo de formar cidadãos com capacidade de crítica social. Nos livros didáticos, modificou-se a estrutura dos conteúdos,agora organizados a partir das questões sócio-econômicas. Segundo BITTENCOURT (2004, p. 137):

A seleção dos conteúdos é pensada a partir daquilo que significam enquanto domínio do saber disciplinar dos professores e não se veiculam com um critério de seleção baseado, direta ou indiretamente, nos problemas do aluno e da vida em sua condição social cultural.

Os conteúdos tradicionais trabalhados no ensino básico começaram a sofrer modificações. A renovação temática e a inclusão de novos objetos de estudo proporcionaram mudanças significativas. Novas temáticas como: mulheres, crianças, religiosidade, doenças, entre outras, passaram a mudar a estrutura do conhecimento histórico.
Como parte desse processo de mudança foram propostos pelo governo federal brasileiro novos parâmetros para a educação básica, através da Lei 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A partir de então, a educação básica se compromete a articular conhecimentos, competências e valores, com a finalidade de acordo com BEZERRA (2003, p. 37) “a capacitar os alunos a utilizarem-se das informações para a transformação de sua própria personalidade, assim como para atuar de maneira efetiva na transformação da sociedade”.
Esses objetivos mediaram a elaboração de obras didáticas e seleção de conteúdos para séries iniciais tendo como base a ideia de que aprender história está relacionado com a capacidade de aluno entender conceitos básicos tidos como fundamentais para o ensino de história. Entre eles estariam os conceitos de tempo, espaço e sociedade.
A respeito dos conteúdos para a disciplina História os PCN's (1997, p. 34) descreve o que deveria ser ensinado:

Os conteúdos propostos estão constituídos, assim, a partir da história do cotidiano da criança (o seu tempo e o seu espaço), integrada a um contexto mais amplo, que inclui os contextos históricos. Os conteúdos foram escolhidos a partir do tempo presente no qual existem materialidades e mentalidades que denunciam a presença de outros tempos, outros modos de vida sobreviventes do passado, outros costumes e outras modalidades de organização social, que continuam de alguma forma, presentes na vida das pessoas e da coletividade. Os conteúdos foram escolhidos, ainda que, a partir da ideia de que conhecer as muitas histórias, de outros tempos, relacionadas ao espaço em que vivem, e de outros espaços, possibilita aos alunos compreenderem a si mesmos e a vida coletiva de que fazem parte.

A escolha dos conteúdos a serem trabalhados em história deve está articulado com o modo de pensar de cada aluno, a partir daquilo que lhe é significativo, distinguindo as questões históricas através do repensar o passado.
Mas ao levar em conta as experiências próprias dos alunos, há a disseminação errônea de que não é necessário ter o conteúdo para ensinar história. Não significa isso, existe sim a necessidade de trabalharmos determinados conteúdos, só que estes, devem integrar-se a história de vida do aluno, para que se possa construir com eles novas possibilidades, discutir experiências, levantar hipóteses, dialogar com os sujeitos, os tempos e os espaços históricos.
Algo de extrema importância na forma de pensar o ensino de história é a relação que mantemos com livro didático. O livro deve servir de articulador dos conteúdos históricos que seriam trabalhados em sala de aula. O uso do livro didático e a seleção de conteúdos delimitados pelos currículos e programas acaba por priorizar determinadas habilidades ou operações mentais de cunho mais didático. Sobre esse determinante GRENDHEL (2009, p. 64) nos diz:

Neste caso, a aprendizagem a partir do desenvolvimento de habilidades ou operações mentais, que formam o pensamento histórico como deduzir, inferir, levantar hipóteses, narrar, fica perdido. Desta maneira, o registro do conhecimento histórico realizado em sala de aula acaba por provocar uma separação entre as formas de aprender a pensar e as formas de pensar com e a partir da história, ou seja, entre a aprendizagem e seu objeto.

Por isso, é preciso pensar historicamente, perceber as formas como os indivíduos entendem o conhecimento histórico e se entendem como sujeitos históricos. Ensinar história associando traços de pertencimento, marcas cotidianas e concepções teóricas da ciência histórica. COOPER (2006, p. 73) argumenta que se quisermos ajudar nossos alunos “a se relacionar ativamente com o passado, precisamos encontrar formas (...) que iniciem o processo com eles e seus interesses, que envolvam uma aprendizagem ativa e desenvolvimento do pensamento histórico”.



[1] O Colégio D. Pedro II, situado no Rio de Janeiro, foi criado em 1837 por decreto do regente Pedro de Araújo
[2] O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) foi criado em 1838 com o objetivo de elaborar uma história nacional e difundi-la por meio da educação (ensino de história). Do instituto ela passaria para as salas de aula através dos programas curriculares e dos manuais didáticos.

REFERÊNCIAS:

BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos: Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In.: Karnal, Leandro (Org.). História na sala de aula: práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003, p. 37-49.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: história, geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: história. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.COOPER, Hilary. O pensamento histórico das crianças. In.: BARCA, Isabel (org). Para uma educação histórica de qualidade. Universidade do Minho, 2006. P. 55-73.
ELIAS, Nobert. Sobre o tempoRio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
GRENDHEL, Marlene Terezinha. De como a didatização separa a aprendizagem histórica do seu objeto: um estudo a partir a análise de cadernos escolares. Tese de Doutorado em Educação da Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2009.
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira. O tempo, a criança e o ensino de história. IN.: ROSSI, Vera Lúcia Sanbogi de; ZAMBONI, Ernesta. Quanto tempo o tempo tem! São Paulo: Alínea. 2003, p. 145-172. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário