A história foi instituída como disciplina no Brasil em meados do século XIX, com conteúdos que relevavam a questão da história da civilização europeia, mas precisamente da civilização ocidental. Isso indicava que cada fato histórico era único e sem possibilidade de repetição, a história deveria ser reconstituída de forma objetiva para ser considerada como verdadeira. Esta forma de entender o conhecimento histórico foi, durante muito tempo, considerada como única maneira de pensar e fazer a história, que deveria ser objetiva, racional e produzida a partir de documentos oficiais. Na teoria da história essa produção era metódica e positivista.
Neste
período ocorre a constituição dos estados nacionais, e a história ganha seus
objetivos mais duradouros, ou seja, serve de instrumento para a consolidação
dos espaços e dos feitos dos heróis através das atitudes dos estados
representados por seus comandantes. Nos conteúdos escolares observa-se a
introdução de “História do Brasil” nos currículos das escolas primárias e secundárias.
A definição desses conteúdos escolares coube a um grupo de professores do
Colégio D. Pedro II[1] e do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)[2],
que a partir de estudos realizados definiram quais conteúdos sobre a história
do Brasil seriam trabalhados na escola. Tais conteúdos privilegiaram à história
da pátria e a constituição do povo brasileiro.
É a
partir da constituição deste que se consolida em livros didáticos a História
Nacional que tem como modelo alguns fatos que acabariam por se transformar em
referência. Tais fatos constituíam um conjunto de acontecimentos sobre a
história do país que deveriam ser divulgados e ensinados. O descobrimento do
Brasil e a independência do Brasil, entre outros fatos, eram vistos como marcos
fundadores da nossa história, contada a partir de 1500, quando os colonizadores
aportam na costa atlântica.
Tais
conceitos e referências cronológicas acompanham o ensino de história por vários
anos. A história da pátria sempre esteve presente no processo de consolidação
do ensino de história nos currículos. Diante da 'necessidade' de referendar a
constituição de uma nação, a história do Brasil institucionalizou-se enquanto
conteúdo escolar, relacionada estritamente a questões políticas. Seguindo esse
preceito, os livros didáticos selecionaram os conteúdos tendo como referencial
a história política do país e da Europa. Assim, durante quase todo século XX os
conteúdos relacionados a história política foram predominantes no ensino de história.
No
Brasil, após a segunda metade do século XX, uma importante mudança
historiográfica produziu uma interferência na seleção de conteúdos didáticos, a
história marxista. A análise marxista parte das estruturas presentes com
finalidade de orientar a práxis social e tais estruturas conduzem à percepção
de fatores formados no passado cujo conhecimento é útil para atuação da
realidade. Essa teoria modifica a forma de tratar os conteúdos, pois, introduz
no ensino de história o objetivo de formar cidadãos com capacidade de crítica
social. Nos livros didáticos, modificou-se a estrutura dos conteúdos,agora
organizados a partir das questões sócio-econômicas. Segundo BITTENCOURT (2004,
p. 137):
A
seleção dos conteúdos é pensada a partir daquilo que significam enquanto
domínio do saber disciplinar dos professores e não se veiculam com um critério
de seleção baseado, direta ou indiretamente, nos problemas do aluno e da vida
em sua condição social cultural.
Os
conteúdos tradicionais trabalhados no ensino básico começaram a sofrer
modificações. A renovação temática e a inclusão de novos objetos de estudo
proporcionaram mudanças significativas. Novas temáticas como: mulheres, crianças,
religiosidade, doenças, entre outras, passaram a mudar a estrutura do
conhecimento histórico.
Como
parte desse processo de mudança foram propostos pelo governo federal brasileiro
novos parâmetros para a educação básica, através da Lei 9394/96, que estabelece
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A partir de então, a educação
básica se compromete a articular conhecimentos, competências e valores, com a
finalidade de acordo com BEZERRA (2003, p. 37) “a capacitar os alunos a
utilizarem-se das informações para a transformação de sua própria
personalidade, assim como para atuar de maneira efetiva na transformação da
sociedade”.
Esses
objetivos mediaram a elaboração de obras didáticas e seleção de conteúdos para
séries iniciais tendo como base a ideia de que aprender história está
relacionado com a capacidade de aluno entender conceitos básicos tidos como fundamentais
para o ensino de história. Entre eles estariam os conceitos de tempo, espaço e
sociedade.
A
respeito dos conteúdos para a disciplina História os PCN's (1997, p. 34)
descreve o que deveria ser ensinado:
Os
conteúdos propostos estão constituídos, assim, a partir da história do
cotidiano da criança (o seu tempo e o seu espaço), integrada a um contexto mais
amplo, que inclui os contextos históricos. Os conteúdos foram escolhidos a
partir do tempo presente no qual existem materialidades e mentalidades que
denunciam a presença de outros tempos, outros modos de vida sobreviventes do
passado, outros costumes e outras modalidades de organização social, que
continuam de alguma forma, presentes na vida das pessoas e da coletividade. Os
conteúdos foram escolhidos, ainda que, a partir da ideia de que conhecer as
muitas histórias, de outros tempos, relacionadas ao espaço em que vivem, e de
outros espaços, possibilita aos alunos compreenderem a si mesmos e a vida
coletiva de que fazem parte.
A escolha
dos conteúdos a serem trabalhados em história deve está articulado com o modo
de pensar de cada aluno, a partir daquilo que lhe é significativo, distinguindo
as questões históricas através do repensar o passado.
Mas ao
levar em conta as experiências próprias dos alunos, há a disseminação errônea
de que não é necessário ter o conteúdo para ensinar história. Não significa
isso, existe sim a necessidade de trabalharmos determinados conteúdos, só que
estes, devem integrar-se a história de vida do aluno, para que se possa
construir com eles novas possibilidades, discutir experiências, levantar
hipóteses, dialogar com os sujeitos, os tempos e os espaços históricos.
Algo de
extrema importância na forma de pensar o ensino de história é a relação que
mantemos com livro didático. O livro deve servir de articulador dos conteúdos
históricos que seriam trabalhados em sala de aula. O uso do livro didático e a
seleção de conteúdos delimitados pelos currículos e programas acaba por
priorizar determinadas habilidades ou operações mentais de cunho mais didático.
Sobre esse determinante GRENDHEL (2009, p. 64) nos diz:
Neste caso, a aprendizagem a partir do
desenvolvimento de habilidades ou operações mentais, que formam o pensamento
histórico como deduzir, inferir, levantar hipóteses, narrar, fica perdido.
Desta maneira, o registro do conhecimento histórico realizado em sala de aula
acaba por provocar uma separação entre as formas de aprender a pensar e as
formas de pensar com e a partir da história, ou seja, entre a aprendizagem e
seu objeto.
Por isso,
é preciso pensar historicamente, perceber as formas como os indivíduos entendem
o conhecimento histórico e se entendem como sujeitos históricos. Ensinar
história associando traços de pertencimento, marcas cotidianas e concepções
teóricas da ciência histórica. COOPER (2006, p. 73) argumenta que se quisermos
ajudar nossos alunos “a se relacionar ativamente com o passado, precisamos
encontrar formas (...) que iniciem o processo com eles e seus interesses, que
envolvam uma aprendizagem ativa e desenvolvimento do pensamento histórico”.
[1] O Colégio D. Pedro II, situado no
Rio de Janeiro, foi criado em 1837 por decreto do regente Pedro de Araújo
[2] O Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) foi criado em 1838 com o objetivo de elaborar uma
história nacional e difundi-la por meio da educação (ensino de história). Do
instituto ela passaria para as salas de aula através dos programas curriculares
e dos manuais didáticos.
REFERÊNCIAS:
BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos: Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In.: Karnal, Leandro (Org.). História na sala de aula: práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003, p. 37-49.
BRASIL,
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
história, geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL,
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
história. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BITTENCOURT,
Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.
São Paulo: Cortez, 2004.COOPER,
Hilary. O pensamento histórico das crianças. In.: BARCA, Isabel (org). Para uma
educação histórica de qualidade. Universidade do Minho, 2006. P. 55-73.
ELIAS, Nobert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
GRENDHEL, Marlene Terezinha. De como a didatização separa a aprendizagem histórica do seu objeto: um estudo a partir a análise de cadernos escolares. Tese de Doutorado em Educação da Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2009.
GRENDHEL, Marlene Terezinha. De como a didatização separa a aprendizagem histórica do seu objeto: um estudo a partir a análise de cadernos escolares. Tese de Doutorado em Educação da Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2009.
OLIVEIRA,
Sandra Regina Ferreira. O tempo, a criança e o ensino de história. IN.: ROSSI,
Vera Lúcia Sanbogi de; ZAMBONI, Ernesta. Quanto
tempo o tempo tem! São Paulo: Alínea. 2003, p. 145-172.